Jogos baseados em filmes de Hollywood não são exatamente novidade - o paleolítico Atari 2600 já lançou a moda com "E.T. - O Extra-Terrestre" -, afinal, muitos filmes de impacto comercial, os chamados "blockbusters", vêm precedido de suas versões interativas. Porém, recentemente, em busca de maior variedade de conteúdo, as produtoras passaram a mirar também os clássicos do passado, como "The Warriors - Os Selvagens da Noite", que ganhou um jogo pela Rockstar, e "Moscou contra 007", segundo episódio do agente James Bond nos cinemas, lembrado pela Electronic Arts.
Clássico por clássico, a mesma Electronic Arts foi buscar o licenciamento de uma das maiores obras cinematográficas já filmadas, "O Poderoso Chefão". Sem dúvida, transformar uma película dessa magnitude num game tem a chance de trazer grandes dividendos, mas também corre risco de críticas severas, afinal, trata-se de praticamente um tesouro cultural. De fato, comentários nada elogiosos foram proferidos pelo diretor da trilogia, Francis Ford Copolla.
Diante da difícil - para não dizer impossível - missão de se equiparar à obra original, a produtora parece não ter medido esforços, tanto de ordem capital quanto de tempo. Os atores originais, inclusive o hoje falecido Marlon Brando, emprestaram suas vozes para seus papéis originais e somente a montagem dos personagens, cerca de 60, levou mais de um ano para ser concluída, tarefa dificultada pela idade da obra.
Novo membro da família
"The Godfather" é um jogo com grande liberdade de ação, permitindo explorar uma Nova York da metade do século XX, onde organizações criminosas de origem italiana demarcavam seus territórios. Composta de cinco grandes regiões, como a Little Italy, Brooklyn e Hell's Kitchen, por exemplo, o jogador viverá o papel de um gângster. Sim, você já viu isso em algum lugar, e se chama "Grand Theft Auto".
Muitos tentaram copiar o seminal título da Rockstar, uma das franquias de maior sucesso do PlayStation 2, mas nenhum sequer chegou perto. Porém, "The Godfather" acerta onde os outros erraram e capta a essência de sua fórmula de sucesso, chegando, até mesmo, a superá-lo, ainda que num departamento na qual o clássico não brilha: os combates.
O jogo integra partes não-interativas, muitas reproduzindo cenas célebres do filme, com a exploração de um vasto mundo, tendo a liberdade de cumprir as missões essenciais, que fazem avançar o roteiro, ou vagar por Nova York, procurando outros tipos de atividades apenas por diversão. De qualquer maneira, é conteúdo para algo entre 20 e 30 horas só fazendo o essencial.
A narrativa é um dos pontos alto de "The Godfather". Não apenas pela história do filme original, de autoria de Mario Puzo, mas de como o protagonista do jogo, criado para essa aventura, se encaixa nos acontecimentos mais marcantes da obra para cinema. Aqui, a relação entre personagem e jogador é uma via de mão dupla, pois o roteiro promove essa integração, digamos, metafísica.
O fato de você poder criar seu próprio personagem também é parte fundamental na imersão. O game toma emprestado o sistema de criação de avatares dos títulos esportivos da Electronic Arts e permite uma grande gama de ajustes, mas sem sair do tema. Ou seja, só é possível criar personagens ítalo-americanos masculinos. Aqui você escolhe desde o corte de cabelo até o formato do queixo.
Uma viagem ao mundo dos Corleone
O game começa quando o pai do protagonista é assassinado por mafiosos rivais e sua mãe pede que Don Vito Corleone cuide de você. Logo nas primeiras cenas não-interativas, é possível perceber o grau de detalhismo dos personagens. Cada um dos atores foi meticulosamente reproduzido, desde seus rostos até sua indumentária. Um verdadeiro trabalho de formiguinha dos artistas.
Se recriar um filme no videogame já é uma tarefa árdua, que dirá reproduzir um clássico como "The Godfather". Ainda que os modelos 3D sejam tecnicamente bem-elaborados, as cenas sejam bem escritas e por mais que usem os atores reais para emprestar-lhe suas vozes para os personagens, é um trabalho que escancara o abismo que separa a sétima arte dos games. O impacto e a elegância são incomparáveis.
Por mais que o caso seja o mesmo, a diferença não é tão gritante como nas adaptações de "24 Horas" ou "Os Selvagens da Noite", por exemplo. Naturalmente, deve-se frisar que não se pode colocar dúvidas na competência da equipe de produção, pois fez o que pôde para se aproximar do longa-metragem.
Não se engane, as cenas "The Godfather", o jogo, são de alta qualidade, que não fazem feio a grandes produções dos videogames, ainda mais aquelas que são gerados em tempo real. Como mencionado, a genialidade do roteiro está na participação do jogador, como personagem ativo nos momentos mais cruciais do original.
É como aquele ator coadjuvante que faz o trabalho de formiguinha, mas fundamental para a cena. Você será peça-chave, por exemplo, na antológica cena com a cabeça do cavalo ou no jantar em que Michael Corleone despacha Sollozzo. Por falar no filho de Don Corleone, é dolorosa a ausência do ator original, Al Pacino, tanto em sua imagem quanto na dublagem. O sumiço de algumas passagens, como o exílio de Michael, também e sentido.
Mesmo que você fique em segundo plano em algumas das cenas principais, o game tem muito mais oferecer e aqui o protagonista é o dono do espetáculo. Como dito, o seu personagem começa na base da hierarquia dos Corleone - na verdade, fora do organograma - e as missões iniciais são aquelas típicas de aquecimento para conhecer e treinar os controles. Aliás, o tempo é necessário, pois os comandos são variados, numerosos e alguns até complicados, com uma curva de aprendizado um pouco lenta.
Logo após esse "estágio supervisionado", a linearidade que amarrava o jogador se desprende, permitindo explorar a cidade como quiser. Sempre que pretender avançar no roteiro, basta seguir os marcadores azuis, ou usar o telefone. As missões principais são variadas e algumas refletem os acontecimentos do filme, como na que o jogador precisa levar Vito para o hospital.
A diversão varia de objetivo para objetivo. A maioria é apenas satisfatória, mas em algumas oportunidades, a empolgação toma conta, principalmente nas missões de combate, um dos pontos fortes do game. A dificuldade é variada, mas a perda total de energia apenas custa um pouco de dinheiro, mantendo todas as armas que conquistou.
Aqui se faz, aqui se paga
Os combates se dividem em ataques corpo-a-corpo e manejo de armas de fogo. Os golpes físicos são incrivelmente variados, ainda mais para o gênero. O seu personagem dispõe de uma série de socos e chutes, além de agarrões diversos. Os ataques variam entre joelhadas devastadoras e até alguns empurrões, só para jogar o oponente no chão. Quase tudo é feito com o analógico direito ou o mouse, como se fosse uma versão simplificada de "Fight Night".
Essa diversidade tem explicação em um dos principais mecanismos de "The Godfather", o poder da influência. Essa não é uma parte obrigatória, a não ser em eventos isolados, mas perder isso é deixar de lado uma das coisas mais divertidas do game. Todas os estabelecimentos comerciais da região estão em poder de algum grupo mafioso, que cobra as famosas taxas de proteção.
O seu trabalho é exatamente convencer os comerciantes a pagar para a sua família, o que também significa que você leva uma parte na "negociação". O grosso de sua "renda" vem diretamente das lojas com as quais você mantém esses "acordos". Enquanto alguns pagam a taxa logo de cara, geralmente, no começo, você tem que usar táticas mais agressivas.
Quebrar a caixa registradora ou móveis, agredir clientes ou o próprio dono do estabelecimento são algumas das ações que podem ser aplicadas para convencer-lhe do pagamento. Cada um deles tem um medidor que mostra sua resistência psicológica e o objetivo é atingir exatamente esse limite, sem ultrapassá-lo. Na zona vermelha, no entanto, ele passa a lhe agredir, e o jeito é matar ou morrer, em ambos os casos, resultando em falha na extorsão. Os lojistas têm pontos fracos, uns têm medo de serem violentados, outros não agüentam ver sua loja destruída, por exemplo.
Extorqüir um lojista fica mais complicado se estiver em domínio de outra facção, pois capangas atacam assim que acontecer algo estranho no recinto. O nível de resistência varia conforme a força da família, mas muitos dos pontos são intocáveis no começo, devido à quantidade de mafiosos e seus armamentos pesados.
Ao tomar um negócio, tão importante quanto o dinheiro das extorsões, é o acesso aos fundos dos estabelecimentos, onde, na maioria das vezes, operam comércios ilegais, e você terá mais oportunidades de negócios. Muitas vezes, se pertencem a bandos rivais, o tiroteio é inevitável, mas só vencendo esse confronto a loja passa de mãos.
Assim, tomando o ponto dos adversários, você vai minando a influência dos oponentes, até que terá a oportunidade de tomar pontos estratégicos, promovendo uma arriscada guerra total. Iniciada a contagem regressiva, o jogador tem apenas a alternativa de exterminar todos da facção adversária ou subornar um agente do FBI para acalmar a situação. Caso contrário, será o perdedor na guerra e todas as lojas do bairro voltam para o poder dos inimigos.
Em confrontos tão mortais assim, é bom estar prevenido com armas poderosas. Isso o game tem de sobra, desde revólveres até coquetéis Molotov, bem ao estilo da época. Além disso, cada arma pode ser melhorada falando com mercadores que ficam em becos e em outros locais não tão escondidos assim. Como é de costume no gênero, há itens escondidos, como rolos de filmes, que servem para liberar vídeos, e cofres para explodir.
Eô, eô, o mafioso é um terror
Mas isso de nada adiantaria se os controles fossem ruins. Longe disso. "The Godfather" tem um dos melhores sistemas de tiroteio dentre os games do gênero. A mira automática convive pacificamente com o modo livre, e em ambos os casos, a precisão aumenta ao deixar o cursor parado por algum tempo. Mas mesmo no primeiro caso, é possível escolher o ponto de impacto, mexendo a retícula com o direcional. O problema do modo automático é quando há inimigos no meio da multidão. Nesse caso, colocar a mira no alvo desejado é garantia de irritação.
Uma técnica importante é usar a parede, mirar com calma e se expor apenas na hora de atirar. Isso também pode ser usado para se esconder atrás das caixas, ficando agachado. A proteção é essencial, pois alguns oponentes usam armas que podem matar com apenas um tiro. E como mencionado, eles são bastante numerosos e você geralmente age sozinho.
Além desses ataques normais, é possível fazer diversos tipos de execuções, que são golpes brutais que põem fim à vida do oponente com um único movimento. Seja com armas ou de mãos vazias, elas são violentas e conferem mais pontos de reputação que o normal. Esses pontos são equivalentes à experiência dos RPG e fazem seu personagem subir de nível.
Isso permite ganhar pontos de habilidade, para serem distribuídos entre diversos quesitos, como proficiência em combate corpo-a-corpo, manejo de armas, vitalidade e sabedoria das ruas. Este último faz com que, por exemplo, o seu personagem carregue mais bombas ou fique menos apreensivo durante os combates ou quando roubar um carro.
Sim, como no famoso jogo da Rockstar, todos os veículos podem ser usados, mas eles têm bem menos importância aqui. A dirigibilidade dos automóveis também está muito boa, mesmo por que você vai precisar de muito braço para escapar da polícia, um dos pontos alto das fases sobre rodas.
"A Little Italy" vive e respira
Chama a atenção ver que a cidade está bem povoada, seja de carros ou pessoas na rua. Porém, mais impressionante ainda é a reação das pessoas. Elas olham quando você chega perto e fazem comentários diversos. Interessante notar como o conteúdo das conversas muda dependendo de seu poder de influência e reputação. Quanto maior, mais elogios receberá e mais atrairá as mulheres. Como de praxe, há prostitutas - sempre do lado de sua casa, para maior conveniência -, mas o potencial de encontrar polêmicas é bem menor aqui.
Os cenários são enormes e com bom nível de minúcias, recriando a Nova York da metade do século XX e existem pequenos detalhes como papéis voando e outras animações que dão vida aos ambientes. Os efeitos visuais, como fogo e fumaça, também são convincentes, assim como o modelo de danos. No entanto, quando um carro bate ou quebra um objeto, espalha pedaços para todos os lados, sem, no entanto, deixar resíduos no chão. Também, assim já é pedir demais, é verdade.
Toda a exploração é feita quase sem interrupções para carregar o disco. Isso só aparece quando troca a tela para uma cena não-interativa, por exemplo, e mesmo assim, por pequenos intervalos. Porém, existem várias lojas e interiores de prédios que se repetem, o que pode confundir o jogador, além de manchar, por pouco que seja, a grandiosa produção. Pequenas imperfeições, comuns em vários jogos, como problemas de colisão, intersecção de objetos, surgimento repentino de objetos e mudanças bruscas no nível de detalhes também foram notados.
A taxa de quadros não é das mais suaves, mas é compreensível em cenários dessa grandeza, complexidade e povoado. Às vezes, a lentidão passa um pouco dos limites, mas essas situações são raras. Em termos gráficos, o PC sai vencedor pela melhor resolução, texturas mais definidas e fluxo de tela mais rápido, mas as três edições - Xbox e PlayStation 2 incluídas - não são tão diferentes. Porém, os controles se mostraram melhores nos videogames, mas nada que um joypad para PC não possa resolver. O controle com mouse e teclado, está apenas no limite do aceitável. Por outro lado, a primeira tiragem da versão brasileira para PC inclui conteúdo de bastidores, trechos das sessões de gravações das vozes de James Caan e Robert Duvall.
O destaque do som é, naturalmente, o memorável tema principal de Nino Rota. Ele aparece sempre nos momentos-chave, desde a excelente abertura até o fim do game. A trilha original do game, no entanto, apenas se perde em meio à ação. Efeitos sonoros como tiros, explosões e vidros se estilhaçando, são altos e claros, proporcionando emoção aos combates.
Uma oferta respeitável
"The Godfather" talvez sirva mais para quem nem conhece o filme, pois os fãs, mesmo que inconscientemente, farão comparações, apesar das duas obras estarem em terrenos totalmente diferentes. Nesse campo, brilhou o enredo, que coloca o jogador para dentro da história original de Mario Puzo. Como jogo, é um dos melhores títulos dessa fórmula que mistura mapas enormes, muita ação e exploração, porém, a pouca variedade de missões alternativas, pode fazer o jogador perder o interesse em ser o rei de Nova York assim que terminar a modalidade principal.
O game recebeu a dublagem de quase todos os atores ainda vivos do primeiro filme da série , já a legenda tem em vários idiomas por ser a versão PAL , incluindo a versão Português de Portugal , e com isso pode se jogar com o idioma original e legendas em português PT.
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